terça-feira, 19 de junho de 2012

MATINAL

MATINAL

Acordamos. Quase despertos dum sono cronometrado, sentenciamos
o sonho que deveria sossegar as nossas fantasias videnciando
o dia. Este que se aproxima comum, vizinho da gula e enteado da dor. É
assim que se mascaram as horas dos tempos calmos num leito morno.
Apetece-nos, subitamente, rememorar em silêncio, esse passado
longínquo onde se refugiam os fantasmas que fazem do perigo um
medo presente.
Olhamos em redor e não vemos senão o espectro dilacerado
de quem fomos. O passado é quase sempre um cadáver que tentamos
sepultar. Um espírito que regressa pleno no turbilhão exausto dos dias
repetentes.
Mas, já é hora de despertar. Ocupa-se o silêncio com o ruído
irritante que nos invade, plo despertador, como metralhadoras assassinando
a paciência. Oh, e o pêndulo seguro, constante, sereno, a aconselhar-
nos equilíbrio e sobriedade!...
Pausa, ainda, para lembrar a noite passada. O frenesim da
alcoolemia roendo, como sentença, a carne que há-de cessar. Por isso
se bebeu!? - antecipar o fim com o prazer no sabor do regresso à lucidez
que nos culpa. Afinal, morremo-nos a cada instante... O aviso de que o
tempo é uma mera invenção do Homem e, que nada tem medida ou
peso suficientes para acompanhar o resumo, a síntese da existência.
Percebemos que a paz é só um limite a transpor para a plenitude.
Essa quieta sedutora que nunca chega. Género noiva atrasada,
arrependida da intenção. Somos mais ou menos assim: cobaias do acaso!
Tetricamente, chega enluarado o nocturno sossego e é circular
o nosso percurso.
Sonhar!... Sonhar num dia igual, as vésperas do futuro que,
são um tempero dado à vontade de ultrapassar a monotonia dos dias.
Essa clausura com a máscara que parece ter-se colocado à face.
Aconteceu... mais um dia igual... mascarado. Igual.
José Carlos Sousa Villar

(intimidade)

SONHO
ESPERANÇA
VIDA
SEGREDOS
AMOR

...

«Tenho neste momento tantos pensamentos fundamentais,
tantas coisas verdadeiramente metafísicas que dizer, que me canso de repente, e decido não escrever mais, não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono, e eu faça festas com os olhos fechados, como a um gato, a tudo quanto poderia ter dito.»

Bernardo Soares