domingo, 17 de junho de 2012

ATÉ ONDE CHEGA O LONGE

... ATÉ ONDE CHEGA O LONGE...
chegara o tempo de admitir a sorte que me condenou
ao sofrível escrúpulo do ter de ser mais do que muitos. aqui, onde
escrevo, a minha glória consiste no desarranjar o fundamento com que
o resto dos homens enfeitaram o sistema. assim, exagero o limite e, ao
transpor o círculo, sou-me tentado ao vício das palavras - com um quarto
fechado e míseros restos de agonia fantasiada é isto, apenas, o que me
resta.
chegou mesmo no limite, esse tempo de que vos conto,
a infâmia de jurar, secreto e ocioso pelos inconcretos lugares da
memória… a que vasculho, reabrindo as gavetas e esgravatando o seu
púdico testemunho. assimilo e contenho o grito, ao notar-me entre
dano e desesperança. encontro uns manuscritos quase ininteligíveis.
agora sinto que a minha missão é a de decifrar o seu conteúdo. alcanço
os papéis; acerco-me da cadeira de baloiço e, ponho-me a pensar…
existe num silêncio visceral uma luminosidade intensa que me arrebata
e tende a resolver-me na véspera do sono.
pressinto, tardio chilrear de pássaros de fogo
penetrando arcos em espinhos.
volta aquele silêncio a pretender emprenhar a pátria
desta língua que uso, descarado e másculo. como sei que sofro as
diferenças dos tentados versos com os versos tentadores, respondo
mudo. essa situação jamais ficará por resolver!
em que parágrafo se defenderia melhor a máscara
resgatada ao fogo de alba? em que palavra se sentiria com maior eficácia
a quietude irresponsável a arrastar-nos para o desassossego manso?
sim. são estas por outras vizinhas questões que me afligem a noite e
sentenciam o sono.
pego nos papéis e volto ao ofício. sôfrego de
entendimento, pergunto-me ainda: que farei eu?
mas é forte o apelo que me solicita a vontade. irei
saber do que se trata. não ficarei por aqui.
que importa? vou fugir por aí, sem destino, a esconder
me com os papéis todos que não sei bem de que tratam. vou…
vem do longe um respiro que quero, por isso o invento.
vem como lâmina. eu tenho tudo sem destino para cumprir a missão!
irei assorrear as estrelas por aí fora e soletrar essas
palavras desses papéis. talvez até os solte ao vento e, perdidos,
assumam esse que, porventura, será o seu melhor destino: o de
voarem!!
regresso. venho com os papéis todos escondidos num
saco furtado a um desses quaisquer vadios que deambulam sonâmbulos
e bêbados (é incrível como bebem sendo pedintes de esmola) até
caírem num beco sujo para pernoitarem no segredo da primavera. e
estou cansado da viagem. também eu cairei. também tombarei, só que
com o peso desses - estes segredos todos. serei, talvez, também um
vadio? oh, mas minha esmola tarda em chegar! tenho-me, agora,
recolhido em posição de feto nesta cama suja pelo saco desse vadio
que, por estes momentos já terá um saco diferente, furtado quiçá a um
outro viandante noctívago.
começo a ter medo. sentir o pavor da máscara que não
consigo tirar, apesar de repetidas tentativas do novo que quero dar-me
para, enfim, adormecer.
repito-me na consciente afirmação de sujeito
convertido à missão dizendo o de sempre… o de sempre que tento
renovar a cada instante, quando, a galope, me surge a vontade
estonteada e fria mas lúcida. nunca consigo. pode ser que num dia
como este, esse repente de imaginatividade me surja sugerido pelos
tempos de exercício deste mesmo tempo das palavras medrosas e
temperadas.
tentarei ainda hoje conseguir contabilizar o longe. não
sei como nem com quê o conseguir, mas irá haver a chave, a fórmula,
e tem que ter o preço impresso custando o esforço que emprego nisto
e noutros enfins afins. haverá?
José Carlos Villar


NÃO DESISTO
O PIOR MEDO É TER MEDO DO MEDO
(cresci)